Ande sempre com uma lupa
Integração social
29 abril 2022

Ande sempre com uma lupa

Muitos são os sentidos para a palavra “cuidar”. Aprendi com um amigo, o educador Bruninho Souza, em uma conversa no podcast “Para onde vamos”, que “cuidar está muito relacionado a colocar uma lupa sobre o que aconteceu, sobre o que está acontecendo agora e como a gente pode, coletivamente, intervir nesse cenário, nessas atitudes”.

Como diz o Bruninho, o cuidado com nós mesmos só pode acontecer quando temos dimensão da situação que vivemos. Quando temos consciência do que está acontecendo em nós e ao nosso redor. Inspirado pelo Bruninho, faço aqui o convite para que você ande sempre com uma lupa. Não uma lupa daquelas que se encontra em papelaria, mas sim que seus sentidos se tornem lupas, que você ande com uma vontade intensa de criar intimidade com o que está perto.

As ocupações de escolas públicas em São Paulo entre 2015 e 2016 foram um marco histórico na educação do Brasil e tem tudo a ver com essa força que existe quando prestamos atenção naquilo que está bem perto. Naqueles anos das ocupações, o levante dos estudantes contra o fechamento de escolas se tornou um movimento em que jovens ampliaram suas potências, passaram a perceber com lupa o dia a dia da escola e inventaram outros jeitos de estar naquele cotidiano mais próximo.

Mandei uma mensagem para uma amiga, a fotógrafa Alicia Esteves, que é uma das integrantes do grupo Coletiva Ocupação e, em 2015, estava de corpo inteiro envolvida nas ocupações das escolas, para perguntar que aprendizados daqueles tempos ela carrega até hoje.

“Sete anos depois sei que posso te responder com certeza que a cada dia que passou tive uma resposta diferente pra sua pergunta. E hoje a partir da sua provocação consigo alinhá-las juntas num grande emaranhado. Tive um grande choque em 2015: perceber a minha existência para além das grandes instituições (estado, convenções sociais, patriarcado etc.). E foi através da ocupação que pude experienciar esse choque da forma mais concreta possível”, conta Alicia.

Ela se faz algumas perguntas e diz mais: “É possível existir sem que alguém te obrigue a existir? É possível existir sem que alguém ou algo determine a sua existência? Sim. Sinto que a partir daquele momento passei a ter agência sobre o meu corpo, minha subjetividade, meu destino. E definitivamente vou carregar essa sensação pro resto da minha vida”.

Engajada nas ocupações, a Alicia se conheceu ainda mais e aprendeu na prática o que é autonomia. As ocupações foram um chamado para os jovens encararem com lupa e coragem as suas realidades, suas histórias, suas forças.

Falei com um outro amigo, o Charles Miller, estudante de Engenharia Ambiental e voluntário do Ecomuseu de Pacoti, no Ceará, porque ele criou na sua escola, junto com colegas e educadores, um projeto chamado Jovem Explorador, por meio do qual pesquisaram informações históricas, culturais e da diversidade natural da sua cidade. Eles se transformaram em lupas para reaprender o próprio território.

Descobriram tantas informações novas que chegaram a criar um ecomuseu para compartilhar tudo o que aprenderam. “Uma das coisas que mais me impactou em participar desse projeto, que é um divisor de águas nas nossas vidas, foi enxergar que a gente tem potencial para transformar o mundo a partir do lugar onde a gente está”, me contou o Charles.

“Ande sempre com uma lupa” é a mesma coisa que dizer: que seus sentidos ajam como lupas para que você seja surpreendido por possibilidades que só quem se atreve a chegar bem perto consegue se dar conta.

Logo del Observatorio de la Juventud en Iberoamérica (OJI)

André Gravatá